Há 35 anos, o verdadeiro Jeep deixava de ser fabricado no Brasil, pela Ford. Inspirou diversos seguidores por aqui, como o Gurgel X10, o Engesa, o JPX e o Troller. O foco deste texto é a sua história em nosso país, mas é preciso contar um pouco sobre a sua origem nos Estados Unidos, um ano antes da Segunda Guerra Mundial. 


O Jeep nasceu a partir do interesse do Exército norte-americano - que em 1938 se preparava para enfrentar o avanço da Alemanha nazista de Adolf Hitler na Europa - em comprar um veículo que pudesse substituir as motos com side-cars (carrinhos laterais) e tivesse tração nas quatro rodas, pesasse até 650 kg, mas com capacidade de carga para 300 kg e acomodasse três pessoas e uma metralhadora.

A American Bantam Car, uma pequena fábrica da Pensilvânia, foi a primeira a oferecer três protótipos do Pilot, recusado por não ter vocação militar. Depois foi o Quad da Willys-Overland, que tinha o defeito de ser muito pesado, resolvido com a diminuição de parafusos e metal. Já a Ford, com o Pygmy, só entrou na concorrência quando esta foi oficializada em 1941 para 135 fabricantes com prazo curto, pois a Segunda Guerra Mundial já havia começado. Após diversas adaptações e fusões no projeto, o Exército encomendou 4.500 veículos para testes, sendo 1.500 para cada uma destas três empresas, as únicas que responderam ao pedido. A General Motors não se interessou.

Bantam Pilot - protótipo

Willys Quad
Ford Pygmy

Embora o estilo fosse muito semelhante entre estas três, principalmente se referindo a carroceria baixa e a grade de fendas verticais e os faróis redondos, cada fábrica usou um nome para os novos protótipos que apresentaram. BRC-40 da Bantam, que chegou a vencer a primeira licitação oficial para os testes, MA (Military A) da Willys, e o GP (de General Purpose, ou uso geral, que deu origem à palavra aportuguesada jipe) da Ford, que foi o mais produzido, insistiram na disputa pelo fornecimento.

Bantam BRC-40
Willys MA

Ford GP

A licitação dos modelos definitivos para a guerra foi vencida pela Willys, pois a Bantam já estava em dificuldades financeiras e não poderia produzir os 16 mil veículos exigidos no contrato, que também não previa exclusividade. Assim, a Ford também recebeu encomenda e atualizou o seu GP para GPW.

Com soluções técnicas dos protótipos da Bantam e também da Ford, como os faróis embutidos na grade (eram separados), o jipe da Willys mudou de nome para MB. Tinha motor 2.2 de 60 cavalos brutos e 14,5 kgfm de torque.

Willys MB

Ao final da Segunda Guerra Mundial e a vitória dos aliados, o Jeep foi aprovado por soldados no campo de batalha e a Willys, que produziu 368 mil veículos (a Ford fabricou 232 mil e a Bantam apenas 2.675 do BRC-60) dos 600 mil compartilhados com as outras marcas, decidiu vendê-lo ao público civil.

Os testes e produção de protótipos recomeçaram, agora para adaptá-lo ao cidadão comum. Evidentemente, o foco foi nos fazendeiros, a ponto da Willys disponibilizar versões com arados e semeadeiras. A primeira versão à venda foi o CJ-2A, lançada em 1945, que tinha faróis bem maiores. CJ significa Civilian Jeep. As letras A e B se referiam às evoluções. O CJ-1A era o protótipo.

Jeep Willys CJ-1A

E a partir daí começou a história civil do Jeep. Nos Estados Unidos foi evoluindo nas formas do CJ-3A, CJ-3B, CJ-5 (o CJ-4 foi apenas um protótipo e o CJ-6 a versão longa) e CJ-7 (a picape foi chamada de CJ-8), até chegar ao Wrangler, que continuou evoluindo em quatro gerações até agora em 2018. Mundialmente, também inspirou clássicos como o britânico Land Rover Defender, o japonês Toyota Land Cruiser (aqui chamado de Bandeirante) e o alemão Mercedes Classe G, além dos atuais SUVs. 

Em 1970 a Jeep, marca patenteada em 1950 para a Willys (absorvida pela Kaiser Corporation em 1953), foi comprada pela American Motors Corporation, que, por sua vez, foi incorporada à Chrysler em 1986, tornando a Jeep uma de suas marcas, até as duas entrarem no portfólio da Mercedes em 1998 e depois da Fiat em 2014.

Willys CJ-2A

No Brasil, os Willys MB já circulavam durante a guerra e até mesmo depois do fim do conflito, em 1945. Aliado dos Estados Unidos, o nosso Exército também teve direito ao veículo. A partir de 1948 o CJ-3 com motor 2.2, passou a ser importado desmontado e montado nas instalações da Gastal, concessionária da Willys aqui no Rio de Janeiro, que fazia os bancos. 

CJ-3B

Em 1954, a montagem passou para São Bernardo do Campo, em São Paulo, na fábrica da Willys- Overland do Brasil, inaugurada dois anos antes, que hoje é uma unidade da Ford. A partir de 1957, o Jeep, na geração CJ-5, passou a ser fabricado inteiramente no país. Foi o veículo mais vendido do país por três anos consecutivos a partir daquele ano, repetindo o feito em 1958 e 1959. 



O motor 2.2, literalmente velho de guerra, foi trocado por um 2.6 de seis cilindros, o mesmo que seria usado no sedã Aero Willys, com 90 cavalos brutos e 18,7 kgfm de torque, sendo o primeiro a gasolina inteiramente fundido no Brasil, mas em Taubaté, em unidade que também pertence atualmente à Ford. O câmbio tinha três marchas, ainda sem sincronização. A tração era 4x4 temporária, com a traseira permanente. Era preciso manusear duas alavancas, além do câmbio: uma para acionar a tração dianteira e a outra para a reduzida. 

Foram cinco anos sem novidades até o lançamento do CJ-6 ou 101, que também tinha uma versão de quatro portas, que ficou popularmente conhecido como Bernardão, em alusão à fábrica de São Bernardo do Campo. O número de três dígitos era referente à distância entre-eixos em polegadas (2,57m). As duas versões tinham capacidade para seis passageiros. O CJ-5 continuou em produção e passou a se chamar Universal. 


No Salão do Automóvel daquele mesmo 1962 foi apresentado o protótipo Saci, com carroceria com portas de aço, que lhe dava uma aparência de roadster e três lugares atrás. A frente vinha da Rural, mas o projeto não foi adiante. A inspiração veio do Jeepster VJ norte-americano, lançado em 1948, igualmente sem sucesso. Na verdade, seria uma Rural conversível, da mesma forma que o Jeepster era uma Jeep Wagon aberta. 

Jeep Willys Saci

O público jovem só ganhou um Jeep voltado para ele em 1967, com o Jeep Jovem, que tinha novo volante, melhor acabamento, bancos anatômicos, capa para o estepe, capota de lona, novos para-choques e duas lanternas traseiras (naquele tempo só havia uma). A primeira marcha já tinha sido sincronizada dois anos antes. 



Em 1968 a Willys foi absorvida pela Ford (por ironia do destino uma das concorrentes e sócias na licitação para o Exército norte-americano na época da Guerra) e o utilitário do qual estamos falando passou a se chamar Ford Jeep. Logo ganhou coluna de direção da Rural, com o miolo da ignição e chave de partida, como nos carros mais recentes (que usavam chave, claro). Mas, naquela época, a ideia ainda não foi aprovada pelo consumidor e a ignição voltou para o painel. 


Em 1976, o motor 2.6 foi substituído pelo 2.3 de quatro cilindros de 90 cv brutos e 17 kgfm de torque do Maverick. O câmbio passou a ter quatro marchas. O motor a álcool, de 1981, de pouca produção, foi a última novidade deste destemido automóvel usado por autoescolas antes do Fusca e pelo professor Fábio, personagem de Nuno Leal Maia da novela A Gata Comeu, de 1985. Também ainda serve ao Exército Brasileiro. O Ford Jeep deixou de ser fabricado em abril de 1983. 




Voltou ao Brasil em 1997, na forma do luxuoso importado Wrangler, após muita disputa judicial entre a Ford (que a herdou da Willys) e a então representante do grupo Chrysler no país, São Jorge Veículos, pelo uso da marca Jeep, que renasceu no Brasil, sob controle da Fiat, com os modelos Renegade e Compass. Quem sabe não venha o novo Wrangler?




TEXTO: GUSTAVO DO CARMO, BASEADO EM INFORMAÇÕES DO SITE BESTCARS
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