Quase que as nossas ruas tiveram na paisagem um Fusion que não era o sedã como hoje conhecemos, mas uma estranha perua alta e familiar. Mas alguém do departamento de marketing da Ford se lembrou de que somos americanos, que o brasileiro adora um utilitário esportivo e vislumbrou a chance de inaugurar um novo segmento: o de SUVs compactos.



Ford Fusion europeu

Assim, o estranho Fusion - utilitário derivado da geração de 2002 do hatch Fiesta, lançado no Brasil naquele ano, que também seria fabricado na recém-inaugurada fábrica de Camaçari, na Bahia (seria no Rio Grande do Sul, mas o então governador gaúcho Olívio Dutra vetou) - foi redesenhado nos Estados Unidos (terra natal de um utilitário grandão que também fez sucesso por aqui, o Explorer) e adotou o nome Ecosport (seguindo um padrão de nomes começados com E para utilitários esportivos, que também tem o Escape, que em breve também chegará com o nome de Kuga). Fez sucesso, tornou-se líder de vendas entre os utilitários (incluindo picapes) e, aos dez anos de idade, está ganhando o mundo.






O Ecosport foi apresentado no Salão do Automóvel de São Paulo em 2002, mas só começou a ser vendido oficialmente em fevereiro de 2003. A primeira geração tinha linhas bem retas, coluna traseira pintada de preto fosco, faróis e piscas redondos por trás das lentes retangulares na vertical (lembrando as formas do Fusion europeu) e grade em forma de colmeia com moldura robusta e integrada ao para-choque. Na tampa traseira de abertura lateral, já havia o estepe que se tornou marca registrada do modelo e continua até hoje, na segunda geração. Detalhe que a "musa inspiradora", o Explorer, nunca teve. As versões de acabamento eram a XL, XLS e XLT. Os motores eram três: 1.0 Supercharger, 1.6 Zetec Rocam e 2.0 Duratec.



O Supercharger, nome adotado para definir um compressor mecânico, mais barato que o turbo tradicional, só equipava a versão XL. Tinha apenas oito válvulas e rendia 95 cavalos. O 1.6, usado por todas as versões, era o Rocam de oito válvulas usado até o final da vida do Fiesta quadrado em 2014. Só que ainda não era flex e entregava apenas 98 cavalos com gasolina. Já o 2.0, exclusivo do XLT, equipou o Ecosport até 2017 e também era usado no Mondeo de segunda geração.

O interior não era uma unanimidade. As formas do painel eram a única lembrança do Fusion original europeu. Apesar de espaçoso (a distância entre-eixos de 2,49m era a mesma do Fiesta), com posição de dirigir alta e vários porta-objetos no console, painel (quando o carro não tinha airbag, havia uma tampa refrigerada acima do porta-luvas) e até embaixo do assento do banco do carona, o acabamento era muito espartano, com plásticos frágeis, montagem com muitas folgas e tecido dos bancos fino demais. Os próprios bancos tinham assento muito curto. A leitura dos instrumentos, principalmente do marcador digital de combustível, era muito confusa. O que sobrava de espaço interno faltava no porta-malas, que tinha apenas 281 litros.



Os defeitos de acabamento, a aceleração lenta, ruído e consumo altos. especialmente da versão 1.0, não impediram que o Ecosport se esgotasse em apenas uma semana, provocando fila de espera de 200 interessados e levando gente a pagar 5 mil reais de ágio para ter o carro rapidamente. Mérito do seu espaço interno, do seu comportamento no asfalto e valentia nos terrenos levemente irregulares e no seu custo-benefício.




O Ecosport XL vinha de série com direção hidráulica, trio elétrico, volante regulável em altura e imobilizador. O ar condicionado era opcional, mas de série no XLS e o XLT tinha freios ABS e airbags frontais. Bancos em couro, para-choques na cor da carroceria e CD Player (sem MP3, não muito usado em carros naquela época) eram opcionais em todas as versões. Os preços começavam em R$ 32.150 (o XL 1.0), passavam por R$ 39.290 na versão XLS e encerravam em R$ 49.350 na XLT 2.0.

A tração 4x4 só chegou exatamente um ano depois, apenas para o 2.0, em versão chamada de 4WD. Acionada eletricamente, não fazia feio nas trilhas um pouco mais acidentadas e transformava o Ecosport num verdadeiro jipe, desde que não se abusasse. Em caso de atoleiro transferia a força para as rodas traseiras.



Já o câmbio automático, de quatro marchas, viria somente no final de 2006. Assim como a tração, era exclusivo do motor 2.0. A Ford chegou a testar adaptações para o Ecosport atingir uma capacidade de carga para 1 tonelada para equipá-lo com um motor a diesel, mas logo desistiu da ideia.



Em abril daquele mesmo ano, o motor 1.0 Supercharger saiu da linha. Já não bastava ser lento, gastar muito combustível e ter manutenção cara, foi chamado de geladeira por um comercial do também extinto Gol 1.0 16v Turbo.

Antes ainda, em 2005, o motor 1.6 do Ecosport passou a ser Flex, que já era uma obrigação no mercado. Rendia 105 cavalos com gasolina e 111 cv com etanol, então chamado de álcool. Também em 2005 foi lançada a série especial Freestyle, com para-choques e frisos cinza claro, grade embutida com o reforço do para-choque e rodas diamantadas. Seria limitada a 1.600 unidades, mas, devido à boa receptividade, foi promovida a versão permanente e chegou à segunda geração.

No final de 2007, o Ecosport sofreu o seu primeiro face-lift. A lente dos faróis cresceu, deixando de ser vertical para adotar um formato parecido com uma bandeira, com o par de canhões de luz ainda único dentro da estrutura. Para dar a impressão de duplo refletor, os piscas passaram a ficar mais próximos da grade, que manteve a tela de colmeia, mas ganhou uma armação em H. A entrada de ar principal passou para os para-choques renovados. A traseira teve poucas modificações. Mudou somente na lente das lanternas, passando a ter relevo, e nos para-choques.


A mudança mais radical depois da frente foi no interior. O painel mudou totalmente, trocou o tom cinza claro pelo grafite e ganhou plásticos com melhor aparência, apliques em alumínio no console central e nos aros dos difusores de ar agora maiores (ainda redondos), volante com miolo mais robusto e instrumentos com leitura mais fácil (marcador de combustível mudou de digital para analógico). Os revestimentos ficaram mais caprichados, a acústica melhorou e os bancos passaram a dar mais apoio lateral e conforto nos assentos.



Já como uma das versões normais da linha, a Freestyle trocou as rodas diamantadas pelas escurecidas, inclusive no estepe. A cobertura da grade também era cinza, enquanto na XLT era na cor do carro e preta na XL. Na lista de opcionais, as novidades eram o comando satélite do rádio, computador de bordo e alerta de velocidade. Na mecânica não houve mudanças. O motor 2.0 só passou a ser Flex no final de 2008, rendendo 141 cavalos com gasolina e 145 cv com álcool.


O ano de 2010 ainda estava em fevereiro mas o Ecosport já ganhava a linha 2011 com nova grade. A estrutura em H foi substituída por uma com três frisos e aberta nas extremidades. Manteve o mesmo esquema de cores da anterior para cada versão. O espaço de lataria acima dela foi preenchido com letrinhas espaçadas que formavam o nome do utilitário. Era uma forma de dar uma aparência de Land Rover.



Quando nasceu em 2003, o Ecosport só tinha como concorrentes a perua Palio Weekend, a picape Fiat Strada, ambas da Fiat e na versão Adventure, e a Parati Crossover, da Volkswagen. Por isso, logo assumiu a liderança de mercado e tornou-se referência em utilitário esportivo compacto. Três anos depois, a concorrência já tinha crescido com os hatches Citroën C3 XTR e VW CrossFox e a perua Peugeot 206 Escapade. Daí o face-lift para 2008.

O lançamento do Citroën Aircross, fabricado aqui no estado do Rio de Janeiro, em 2010, ligou o sinal de alerta na Ford, que, enfim, tomou uma atitude quando apareceu, no ano seguinte, o também francês Renault Duster, fabricado no Paraná, o seu primeiro concorrente genuinamente utilitário esportivo. Aqui no Guscar, o Ecosport foi humilhado por 7 a 3 em comparativo feito em 2011. 




A segunda geração - mais arredondada e equipada

Em janeiro de 2012, a segunda geração do Ford Ecosport, completamente renovada, foi apresentada simultaneamente em Brasília e na Índia. Era o início de um novo tempo para o primeiro utilitário esportivo compacto do Brasil.

O novo Ecosport só chegaria ao mercado em outubro. As linhas retas deram lugar às curvas. A grelha e os faróis retangulares foram trocados por uma enorme grade no para-choque e uma fina abertura entre os faróis, agora estreitos e no capô. A terceira janela lateral ficou desproporcional ao vidro traseiro. As lanternas de trás agora são horizontais e angulosas, com prolongamento (um deles embutindo a maçaneta) na tampa do porta-malas, que manteve as duas marcas registradas do Eco: o estepe exposto e a abertura lateral.








O painel ganhou desenho arrojado, com parte central elevada, máscara cromada, difusores de ar verticais, botões lembrando teclas de telefone celular e acima de tudo, a pequena tela do sistema multimídia. O quadro de instrumentos ficou dividido por túneis. O volante ganhou novo desenho e agora incorpora botões do comando do sistema multimídia Sync, desenvolvido em parceria com a Sony (opcional, claro). Ainda de plástico duro, o acabamento ficou mais refinado.



A plataforma continuou sendo a do Fiesta, só que o da geração de 2007. A distância entre-eixos cresceu três centímetros, passando de 2,49m para 2,52m. Porém, o espaço interno reduziu. A capacidade do porta-malas, em compensação, aumentou de 281 para 362 litros, mas ainda inferior ao Duster. O comprimento de 4,24m foi mantido.

As versões passaram a se chamar S, SE, Freestyle e Titanium. Entre as novidades de equipamentos se destacavam, além do Sync, ar condicionado digital, airbags laterais, sensor de chuva, abertura sem chave, botão de partida, assistente de partida em rampa e controles de estabilidade e tração, de série somente na versão top Titanium. O S já vem bem equipado, mas tem calotas e para-choques pretos.



O motor 1.6 Flex, antes Zetec Rocam (que havia perdido potência, de 105/111 para 101/107 cv), foi trocado pelo Sigma, com 110 e 115 cavalos. O 2.0 16v permaneceu o mesmo.

Voltando a ser comparado pelo Guscar, o Ecosport novo devolveu os 7 a 3 sobre o Duster. Entre as premiações oficiais o Ford foi utilitário do ano pela revista Autoesporte em 2004 (quando lançado), 2008 (quando ganhou o primeiro face-lift) e 2013, na primeira reestilização.




No início de 2013 ganhou tração 4x4 (ou 4WD), câmbio automatizado de dupla embreagem Powershift, com seis velocidades, e motor 2.0. A tração 4WD era exclusiva da versão Freestyle, que só tinha transmissão manual de seis velocidades e motor 2.0. Já o Powershift só havia na versão Titanium 2.0. Em 2014, a versão S foi extinta e o Freestyle 4WD ganhou o câmbio automatizado. No ano seguinte, foi lançada a versão Freestyle Plus, com mais equipamentos.

Naquele mesmo ano, o Ecosport chegou à Europa, importado da Índia. Apesar do acabamento um pouco melhor, foi bastante criticado pela imprensa do velho continente por causa, justamente, da qualidade dos materiais e do espaço interno. Pouco depois, ganhou uma versão sem o estepe na tampa do porta-malas. Também passou a ser fabricado na China e no México.









Voltando ao Brasil, o motor Sigma 1.6 ganhou o comando variável de válvulas estreado no face-lift do Fiesta, que passou a ser nacional. Assim, ficou mais potente, com 126 e 131 cavalos. Também passou a contar com a opção do câmbio Powershift. Mas a potência fraca foi mantida nas versões com câmbio manual. 





Em 2017, a segunda geração do Ecosport ganhou um face-lift que, a princípio, poderia ser apenas a adoção de faróis e luzes de neblina maiores, luzes diurnas de LED e grade com o emblema. Mas foi muito mais que isso. O interior foi inteiramente renovado com, finalmente, material emborrachado no painel e uma tela multimídia de verdade, colorida, de oito polegadas, com espelhamento com Android e Apple. O espaço interno foi ampliado, mas o porta-malas perdeu capacidade para compensar, caindo de 362 para 356 litros. 



Na fase de lançamento ganhou sete airbags (frontais, laterais, cortina e joelho do motorista) e multimídia desde a versão básica SE. Só que, meses depois, as sete bolsas de ar ficaram restritas à top Titanium (que agora também tem alertas de ponto cego e tráfego cruzado, além de entrada e partida sem chave desde o lançamento do face-lift) e a Storm 4x4, da qual vou falar depois. Pelo menos foram mantidos o sistema multimídia e os controles de tração e estabilidade e a partida em rampa. SE e Freestyle ficaram apenas com os dois airbags frontais obrigatórios por lei. 

Houve novidades no motor. O 1.6 foi substituído pelo 1.5 Dragon TiVCT, de três cilindros, comando variável das doze válvulas, que rende 130 (gasolina) e 137 cavalos (álcool). Já o 2.0, que antes era o Ecotec que vinha desde a primeira geração, passou a ser o DirectFlex do Focus, com injeção direta e 170 cv com gasolina e 176 cv com álcool. O câmbio automatizado Powershift deu lugar a um automático de verdade, com conversor de torque e as mesmas seis marchas. 




No início de 2018 a tração 4x4 voltou em uma inédita versão, chamada Storm, assinada em letras tridimensionais cinza, direto na grade de mesma cor, abaixo do emblema da Ford. A assinatura se repete no meio da proteção do estepe na tampa traseira. Além disso, há vários adesivos espalhados pelo carro e bagageiro no teto. Por dentro, detalhes laranja no painel. O Ecosport Storm 4WD tem motor 2.0 e câmbio automático de seis marchas. A tração integral é inteiramente nova, passando a ser sob demanda. 



Internacionalmente, o Ecosport passou a ser vendido também nos Estados Unidos, também importado da Índia e custando vinte mil dólares. Aliás, o face-lift foi apresentado para eles antes da gente, mas o nosso começou a ser vendido primeiro. Na Europa ganhou a versão esportiva ST-Line, com rodas de 17 polegadas, tração integral, sem estepe na traseira e um motor turbodiesel 1.5 EcoBlue de 125 cavalos. 



Mesmo com as críticas dos exigentes europeus e norte-americanos, o Ford Ecosport ganhou o mundo, depois de desbravar o mercado de utilitários esportivos compactos no Brasil há quinze anos. Uma geração inteiramente nova e mais espaçosa se faz necessária para o Eco ganhar fôlego e uma nova atualização de sua história no Guscar daqui a cinco anos.  


TEXTO: GUSTAVO DO CARMO | FOTOS: DIVULGAÇÃO